14/08/2015
“ INDIGNAÇÃO” : Necessidade X Escolha
Por Clélia Paes

Seguindo orientação de meu médico, precisei realizar um exame de rotina, que necessitava de sedação; bom, mas a questão não é esta, o problema inicia-se aqui…

 

Nos dias de hoje, com a alta tecnologia, seria de se supor que os padrões humanos – quando digo humano, refiro-me à capacidade de um ser enxergar outro ser na sua frente, com suas angústias, medos e inseguranças – também  estivessem em alta competência e tecnologia. Mas, infelizmente, não é bem assim.

 

Dirigi-me ao hospital – de ótima qualidade comparado ao que, hoje, temos no mercado hospitalar – e me deparei com certa cordialidade, inerente à entidade privada, contudo no que diz respeito à adequação e acolhimento para um exame de certa complexidade, deixou muito a desejar.

 

Constato, com indignação e intolerância, como os profissionais de um modo geral estão despreparados para lidar com questões não técnicas. E acreditem, na maioria das vezes, têm ocorrido desta maneira.

 

Fui conduzida para um lugar de vários biombos, para aguardar a chamada para o exame.

 

Ocorre que me mandaram tirar toda a roupa e ficar somente com um avental de material sintético, como as máscaras usadas por dentistas e ou cirurgiões. Neste dia fazia 9°C em São Paulo, com o ar-condicionado ligado acredito que tenha caído mais, pelo menos, uns dois a três graus.

 

Para meu azar, se assim podemos chamar, havia uma senhora que acabara de sair da sedação e estava alterada, ou seja, ela gritava que não valia à pena viver, que o hospital era uma porcaria, que ela iria morrer e que queria ver imediatamente o médico, pois já estava ali há horas…

 

A partir desta cena, inicia-se o despreparo dos profissionais. Os três funcionários que estavam disponíveis naquele momento ficaram entorno desta senhora tentando acalmá-la, em vão… e aguardando um médico aparecer. Enquanto isso, eu e outras pessoas em jejum absoluto de oito horas, ouvíamos a cena, ficando mais agitados e nada podendo fazer a não ser sentir mais frio e irritação.

 

Até o médico aparecer – porque é óbvio, não poderia largar o exame de outro paciente – demorou cerca de trinta minutos nesta cena patética.

 

Pergunto: esse caso é isolado, não é recorrente uma pessoa voltar alterada do exame, ou, já ir alterada e voltar pior? Qual é o procedimento humano? Deixe-a gritar e os que estão aguardando para fazer o exame, assistam a cena e, paciência, a vida é assim…

 

Não poderia, imediatamente, esta senhora ser levada para uma outra sala e aguardar o médico sem desestabilizar as outras pessoas?

 

Não há um profissional habilitado para, nestes casos, ter uma postura mais rápida e madura?

 

Bom, mas a minha questão não termina ai…

 

Passada a cena, fui conduzida para a sala de exames…

 

“A sala de reanimação onde flutuam entre a vida e a morte delimita um espaço de exceção no qual surge, em estado puro, uma vida nua pela primeira vez integralmente controlada pelo homem e pela sua tecnologia.” (Roudinesco)

 

Médico acolhedor, conversou, foi gentil.

 

“Voltando a origem do termo “perversão”, na Idade Média, vemos que cada época trata da questão de maneira diferente. Para fazer este percurso, abordamos a história de personagens emblemáticos, como Marquês de Sade e Rudolf Höss, questões relativas ao nazismo, à pedofilos, à terroristas, flagelantes e sodomitas.” (Roudinesco)

 

A  Auxiliar do médico também educada; porém, a sala estava exageradamente gelada, e eu estava tremendo de frio, foi quando solicitei a enfermeira:

 

– Estou tremendo de frio, há a possibilidade de melhorar a temperatura?

 

Ela me diz:
– Você está tremendo de nervoso

 

Eu falei:
– Sim, estou nervosa, concordo. Mas estou com frio, estou tremendo de frio também…

 

Então, ela deu uma risadinha e falou:
– Daqui à pouco melhora.

 

E eu entendi: “daqui à pouco, estarei sedada, não vou sentir mais frio e vou parar de reclamar…”

 

“Com um ponto de vista que vai contra a eliminação da perversão, o que representaria destruir a distinção entre bem e mal que fundamenta a civilização, então, “os perversos são uma parte de nós mesmos, pois exibem o que não cessamos de dissimular: nosso lado mais sombrio.” (Roudinesco)

 

Conclusão:

– Hospital Bom

– Equipe Médica competente.

– Exame realizado dentro dos padrões internacionais.

Nota 10, para a parte técnica!

 

Agora:

 

Aonde foi parar aquela atenção e carinho que precisamos, quando vamos fazer um exame mais invasivo? Não somos máquinas!

 

“A técnica é a única apropriada à minha individualidade; não me arrisco a negar que um médico constituído de modo inteiramente diferente possa ver-se levado a adotar atitude diferente em relação a seus pacientes e à tarefa que se lhe apresenta.”(Agamben)

 

“Como tudo, a perversão também depende do contexto. Existe em contraponto a certa mentalidade histórica, ao comportamento ‘socialmente aceitável’, seja lá o que isso signifique.”(Agamben)

 

Quem era o objeto, quem era o foco? EU, um ser humano que  estava alí, ou a preocupação era com o robô, o objeto era a MÁQUINA de última geração, eu era apenas um complemento do exame, não era a “peça” mais importante.

 

Ganhamos muito em tecnologia, nestes últimos vinte anos, mas perdemos muito, mas muito mesmo, nos relacionamentos, em olhar o outro, em olhar para nós mesmos, para às nossas necessidades. Reclamamos, mas aceitamos por comodismo, por medo de sermos incompreendidos, de não sermos aceitos… ranzinzas, velhos, ultrapassados.

 

Antes de irmos para as ruas empunhando bandeiras, devemos iniciar uma mudança interna. Temos aceito tão pouco nas nossas vidas, nas nossas famílias, no nosso trabalhos, nos nossos relacionamentos… Depois sim, poderemos “em bando”, gritar aos quatro ventos que não permitiremos, sem utopias, certas transgressões e perversões.

 

Um dia, será preciso conformar-se à ideia de que o gozo do mal, se é tipicamente humano, resulta de uma história subjetiva, psíquica e social. E apenas o acesso à civilização, à Lei ou ao progresso permite, como afirmara Freud, corrigir essa parte de nós mesmos que não obstante escapa a qualquer domesticação.

 

“Só o homem entre os viventes possui a linguagem. A voz, de fato, é sinal da dor e do prazer e, por isto, ela pertence também aos outros viventes (a natureza deles, de fato, chegou até a sensação da dor e do prazer e a representá-los entre si), mas a linguagem serve para manifestar o conveniente e o inconveniente, assim como também o justo e o injusto; isto é próprio do homem com relação aos outros viventes, somente ele tem o sentimento do bem e do mal, do justo e do injusto e das outras coisas do mesmo gênero, e a comunidade destas coisas faz a habitação e a cidade.” (Roudinesco)

 

“A VIDA QUE NÃO MERECE SER VIVIDA, JUNTAMENTE COM SEU IMPLÍCITO E MAIS FAMILIAR CORRELATO; A VIDA DIGNA DE SER VIVIDA.”

 

Por: Clélia Paes