18/08/2016
O que é histeria?
Por Clélia Paes

“Como é tão frequente nos casos clínicos de histeria, o trauma que sabemos ter ocorrido na vida do paciente não basta para esclarecer a especificidade do sintoma, para determiná-lo; entenderíamos tanto ou tão pouco de toda a história se, em vez de tossi nervosa, afonia, abatimento e taedium vitae, de que alguns desses sintomas (a tosse e a perda da voz) tinham sido produzidos pela paciente, anos antes do trauma, e que suas primeiras manifestações remontavam à infância. Portanto, se não queremos abandonar a teoria do trauma, devemos retroceder até a infância e buscar ali influências ou impressões que pudessem ter surtido efeito análogo ao de um trauma.

 

Eu tomaria por histérica, sem hesitação, qualquer pessoa em quem uma oportunidade de excitação sexual despertasse sentimentos preponderantes ou exclusivamente desprazerosos, fosse ela ou não capaz de produzir sintomas somáticos. Esclarecer o mecanismo dessa inversão do afeto é uma das tarefas mais importantes e, ao mesmo tempo, uma das mais difíceis da psicologia das neuroses.

 

Convém lembrar a questão tão frequentemente levantada de saber se os sintomas da histeria são de origem psíquica ou somática ou, admitindo-se o primeiro caso, se todos têm necessariamente um condicionamento psíquico. Esta pergunta como tantas outras a que os investigadores têm voltado repetidamente sem sucesso, não é adequada. As alternativas nelas expostas não cobrem a essência real dos fatos. Até onde posso ver, todo sintoma histérico requer a participação de ambos os lados. Não pode ocorrer sem a presença de uma certa complacência somática fornecida por algum processo normal ou patológico no interior de um órgão corpo ou com ele relacionado. Porém não se produz mais de uma vez – e é do caráter do sintoma histérico a capacidade de se repetir – a menos que tenha uma significação psíquica, um sentido. O sintoma histérico não traz em si esse sentido, mas este lhe é emprestado, soldado a ele, por assim dizer, e em cada caso pode ser diferente, segundo a natureza dos pensamentos suprimidos que lutam por se expressar.

 

Todavia, há uma série de fatores que operam para tornar menos arbitrárias as relações entre os pensamentos inconscientes e os processos somáticos de que estes dispõem como meio de expressão, assim como para aproximá-las de algumas formas típicas. Para a terapia, os determinantes mais importantes são os fornecidos pelo material psíquico acidental; os sintomas são dissolvidos buscando-se sua significação psíquica. Uma vez removido – tudo o que se pode eliminar pela psicanálise, fica-se em condições de formar toda sorte de conjecturas, provavelmente acertadas, sobre as bases somáticas dos sintomas, que em geral são constitucionais e orgânicos.

 

Estou pronto a ouvir, nesta altura, que não há grande vantagem em sermos informados, graças à psicanálise, de que não mais precisamos buscar a chave do problema da histeria numa “labilidade peculiar das moléculas nervosas” ou numa suscetibilidade aos “estados hipnoide”, mas numa “complacência somática”. Em resposta a essa observação, quero frisar que dessa maneira o enigma não só recuou um pouco, mas também se tornou um pouco menor. Já não temos de lidar com o enigma inteiro, mas apenas da parte dele em que se inclui a característica particular da histeria que a diferencia das outras psiconeuroses. Os processos psíquicos em todas as psiconeuroses são os mesmos durante um extenso percurso, até que entre em cena a “complacência somática” que proporciona aos processos psíquicos inconscientes uma saída no corporal. Quando esse fator não se faz presente surge da situação total algo diferente de um sintoma histérico, mas ainda de natureza afim: uma fobia, talvez, ou uma ideia obsessiva – em suma, um sintoma psíquico.

 

Os motivos para adoecer muitas vezes começam a se fazer sentir já na infância”.

 

*Clélia Paes tem mais de 25 anos na Área da Educação como Linguista, Pedagoga e Psicopedagoga. Agregou a Psicanalise a seu currículo com responsabilidade, ética e transparência!