22/08/2016
Os medos de Emerenciana
Por Clélia Paes

Segundo capítulo da análise de Clélia Paes sobre o filme “A cor púrpura”, de Alice Walker!

 

Emerenciana teme constantemente que sua irmã, que tanto ama, Sofia tenha o mesmo destino.

 

Ela é constantemente referida como “feia”, “sem atrativos”, “desengonçada”, pelo marido, e a faz escrava de seus caprichos, maltrata física e psicologicamente de diversas maneiras, reprimindo os seus desejos, diminuindo constantemente a sua autoestima e amor próprio. É espancada por ele pelos motivos mais absurdos, como ousar discordar, ou deixar de fazer algo imediatamente, e serve apenas como um objeto sexual, o qual ele usa como quem usa um banheiro.

 

Um exemplo desse aviltamento é expresso por Augusto, quando num acesso de raiva contra ela, ele verbaliza a maneira como as mulheres são vistas na comunidade:

 

“Você é negra, pobre, mulher, você não é nada”.

 

Ou ainda quando Augusto está mantendo relações sexuais com Emerenciana e no momento do orgasmo ele sente o impulso de beijá-la, mas não o faz. A sua atitude foi dizer “Jesus” e sai de cima do corpo dela como a dizer: “pronto, já estou satisfeito”.

 

Com todo esse histórico, não é de se estranhar que a personagem não tenha exatamente uma relação de simpatia para com homens. Todos os homens que ela conhece; seu pai, seus irmãos, seu marido, e os filhos malcriados dele, lhe maltratam, física e verbalmente, fazendo com que ela perca a confiança e tenha um comportamento acuado e arredio perto deles.

 

Sua sexualidade foi reprimida, desde os 14 anos, ela apenas vê o sexo como algo que lhe fere. Contudo Emerenciana, vai aos poucos despertando afeto, ao perceber que pequenas coisas como a foto da amante de seu marido num folheto de cabaré, que lhe faz sentir coisas diferentes – não eram ciúmes -, e quando o marido no topo de sua audácia traz a amante doente para se recuperar em sua casa aos cuidados dela, pela primeira vez percebe o que a visão do corpo de uma mulher nua lhe causava.

 

A partir desse ponto da história, uma amizade bastante peculiar se forma: Dalva, a amante, é o exato oposto de Emerenciana. Impetuosa, cheia de vontades, “valentona” e desbocada, não diz amém para homem nenhum, e por consequência, é mal vista por toda cidade, menos pelo marido de Emerenciana, que nutre por ela uma paixão de anos.

 

Dalva de início trata Emerenciana com nada além de desdém devido aos ciúmes, mas à medida que ela mostra nada além de resignação e uma curiosa empolgação, ao alimentá-la, banhá-la e penteá-la durante sua doença, ela percebe que ali não está uma concorrente pelo amor do traste, mas sim uma mulher que nunca teve nenhum prazer em sua vida.

 

E da simpatia, nasce a amizade, que evolui para o amor, à medida que elas descobrem pequenos detalhes sobre a vida uma da outra e é a partir daí, que a vida de Emerenciana começa a mudar, e pela primeira vez, valer a pena.

 

  • Perdeu o primeiro capítulo da série sobre o filme “A Cor Púrpura”? Clique aqui e confira!

 

*Clélia Paes tem mais de 25 anos na Área da Educação como Linguista, Pedagoga e Psicopedagoga. Agregou a Psicanalise a seu currículo com responsabilidade, ética e transparência!